A noite em que ele chegou
Eu sempre fui um homem muito ocupado, passo dias e noites
enterrado no meu escritório revisando, analisando e assinando quilos e quilos
de papéis. Pergunte a minha esposa, ela irá confirmar como sente saudades
minhas, mesmo estando na mesma casa. E infelizmente, o momento em que sou mais
produtivo é sempre a noite, por que é quando todos os outros estão dormido, e
eu sei que não serei interrompido por ninguém, seja por visita de familiares,
seja mesmo por visitas do próprio general.
Se você é do tipo que também tem de trabalhar a noite com
coisas que exigem muita atenção e pouco esforço físico, talvez já tenha passado
pelo que eu passei frequentemente: quando seu corpo quer dormir, mas você quer
trabalhar, seu cérebro tenta te enganar para fazer dormir, por meio de te fazer
cochilar e sonhar que está trabalhando.
Eu podia perceber que estava sonhando quando algo fora do
razoável acontecia, como o meu irmão entrar pela porta como era quando criança para me chamar para
brincar, ou quando olho pela janela e reconheço que minha casa está em outra
cidade. No entanto, o mais frequente era que eu somente percebesse que havia
caído no sono, quando acordava e percebia a quantidade de trabalho que lembrara
ter acabado de fazer, mas que havia desaparecido.
Foi por isso que quando isso começou, eu não levei tão a
sério quanto deveria.
Me chamou a atenção, numa noite, o maldito pássaro, dando
bicadas no vidro da janela, como um ferreiro a bater na bigorna. E eu não percebi que era um sonho até que,
parando de escrever, olhei para a janela, e vi que ele também parava de fazer
barulho, como se satisfeito com a atenção que lhe dava. Virou a sua cabeça para
a esquerda, me analisando com o seu olho preto, mais preto do que o resto de
suas penas.
Ele abria o bico e grasnava do lado de fora, mas a impressão
era de que dizia palavras. Eu jamais imaginei que corvos poderiam falar, tais
como papagaios, por exemplo, mas ele falava. E com a janela fechada, e o vento
lá fora, dificilmente conseguia ter certeza se estava falando de fato.
Então prestando atenção em um momento de silêncio, consegui
ouvir claramente um ``boa noite´´
Por duas vezes me deu Boa noite, e não parava de me encarar.
E continuava a dar bicadas no vidro.
Imaginei que havia aprendido a falar assim com o cozinheiro,
ou com a criada, e que poderiam o estar alimentando. Trataria de lidar com eles
no dia seguinte, mas naquele momento só precisava me concentrar, então fui até
a janela, tentando espantar o animal com uma folha de papel, mas ele não se
movia, nem mesmo batia as asas.
Eu abri a janela com intenção de espantalho, mesmo que com
um tapa, mas logo que a janela foi aberta, ele abriu o bico, e a voz que saiu
desta vez, foi perfeitamente profunda e elaborada.
“Boa noite, Olavo. Eu vim para contar-lhe uma história. Posso
perguntar que tipo de história deseja ouvir, mas seu coração ainda não sabe o
que desejar. Ainda precisa que seja apresentado e ensinado aquilo que tem de
desejar.
Concluindo que era apenas um sonho, não me assustei, e
perguntei de volta:
“Quais tipos de história pode me contar?
“Quaisquer que deseje, é só dizer.”
Eu respondi então, apenas como uma espécie de desafio
desacreditado:
“Conte-me uma história de terror e mistério”
Ele grasnou, e moveu a cabeça como um corvo normal, e por um
segundo, duvidei de que fosse realmente mais do que um corvo normal, mas então
ele começou a contar a história.
A história foi contata, e o corvo se foi, e eu fiquei com o
sabor do medo e da dúvida na língua. O enredo foi elaborado e concreto demais para ser de minha autoria.
Eu posso te contar a história se quiser, mas eu já aviso. O
corpo disse que voltaria, mas na noite seguinte não houve sinal dele, por que
eu mesmo fui incapaz de dormir.
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