A criança
Bom lá vai. Eu sei que dificilmente você vai acreditar em
mim, mas eu preciso contar isso pra alguém, por que eu estou ficando louco. Já
sonhei com isso duas vezes.
Na segunda feira eu estava saindo de casa pro trabalho, eram
umas dez da noite. Não tinha ninguém na rua. Daí eu estava andando pro ponto de ônibus, né. A
minha rua dá direto pra avenida que passa o meu ônibus, e o ponto fica bem
atrás da esquina.
Eu estava já chegando
na esquina, com os fones de ouvido na orelha mas sem tocar som, por que meu
celular não queria abrir o app de músicas, e eu estava chegando a esquina mexendo no celular e andando
devagar. Quando eu cheguei na esquina eu ouvi uma conversa muito estranha. Era
uma mulher falando em tom normal, meio baixo, mas dava pra ouvir por que estava
um bom silencio na hora.
- Eu não sei! Como eu ia saber!
E aí uma voz de homem respondeu
- Você devia ter perguntado na hora, como eu mandei! Você
acha que ela viu alguma coisa?
Eu parei de andar antes de virar a esquina por que eu estava
abrindo a mochila pra pegar o outro celular, que dava para ouvir música nele, então eles não
tinham me visto ainda. Aí a conversa começou a ficar estranha. Eu não tive
coragem de continuar.
Ela perguntou pra ele.
- Fala a verdade, pra mim, foi você que fez isso com ele?
- Eu não tenho nada a ver com aquilo. Tá ficando louca?
Agora tudo o que acontece de ruim é culpa minha?
- Ué! Aconteceu alguma coisa boa depois que você apareceu?
Só coisa ruim.
- Para com isso, eu não sou um bicho! Além disso, eu te
avisei que isso ia acontecer, você me ignorou.
Eu vi que o meu ônibus vinha subindo, daí tinha que virar a
esquina de qualquer jeito. Eu achei melhor deixar o fone de ouvido na orelha,
pra fingir que não ouvi nada, mas não coloquei nenhuma música, pra ficar
atento. Daí continuei andando pra esquina.
-Shhhh! Cala a boca! -
O cara falou. – Tem alguém vindo.
Daí quando eu virei a esquina, só tinha uma mulher no ponto, não tinha ninguém
com ela. Só um bebê que estava no colo dela.
Eu tive que correr pra dar sinal pro ônibus, mas quando eu vi que era só a moça e
o bebê , eu parei, e fiquei meio distraído. Aí
nisso o ônibus já estava em cima do ponto, eu dei sinal de repente, mas
ele passou direto.
Aí eu parei, e fiquei de costas pra mulher, fingindo que não
estava ouvindo nada por conta dos fones, e que estava tudo normal.
Daí ela falou bem baixinho assim:
- Será que ele ouviu?
- Acho que que não. Ele tá de fone de ouvido. Chama ele.
- Moço! Ei moço! Ele não tá ouvindo não.
Aí o cara respondeu.
- Não sei não, ele me olhou muito estranho.
Cara. Eu comecei a tremer, e não conseguia parar. Eu achei
que eles fossem perceber, então eu entrei no primeiro ônibus que veio, nem
olhei pra trás.
Passei pela catraca correndo e fui lá pro fundo. Quando eu
sentei, eu vi que a moça também tinha subido no ônibus, ela passou a catraca
com dificuldade, e um cara que estava sentado ali na frente ajudou ela com a
sacola. Ela agradeceu e depois sentou uns dois bancos na minha frente, com o
bebê no colo.
Ele estava virado para trás,
abraçado com ela, e ficou olhando pra mim. Era um bebê normal, com
fisionomia de bebê e tudo, mas ele não parava de olhar pra mim.
Aí bateu o desespero,
por que ele estava me observando. Eu queria descer, mas eles iam perceber que
eu tinha ouvido. Eu esperei uns quatro pontos de ônibus passarem, e aí
eu levantei. Daí eu vi ele falando algo no ouvido dela. Não deu pra
ouvir o que ele falou por que estava cochichando, e o som do motor abafou a voz
dele, mas ele disse algo enquanto olhava pra mim.
Graças a Deus, depois que eu desci do ônibus, eu nunca mais
vi nenhum dos dois, a não ser quando eu
sonhei com eles.
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